O Bairro do Amor

Uma varanda debruçada para a vida

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

A Esquerda no Poder?





O Partido (dito) Socialista venceu as Eleições Legislativas com maioria absoluta. Não me regozijo com isso, mas enfim... Fico muito feliz porque a direita foi exemplarmente castigada. Fico ainda mais contente porque o Bloco de Esquerda quase triplicou a sua representação parlamentar. Na contagem final os partidos associados à esquerda ocupam quase 60% do Parlamento. Mas a situação não permite uma análise línear e simplista.

O PS já enfiou o socialismo na gaveta há uma série de anos, e a esquerda moderna, que pretende representar, herdou muito poucos dos valores que caracterizam a Esquerda. E talvez tenha sido por isso que recebeu uma votação tão significativa. Não creio que o país tenha virado à esquerda, como já ouvi e li. Quem elegeu Sócrates foi o eleitorado do centrão, o eleitorado eternamente flutuante, e os desiludidos do PSD. Por isso aguardo com grande espectativa a interpretação destes resultados, por parte do PS, e a consequente orientação da acção governativa.

Do PSD não há muito a dizer, em relação a estas eleições, a não ser que não concorreu. Quem colocou uma cruz junto ao simbolo deste partido estava a votar em Santana Lopes e no seu PPD. Na melhor das hipóteses estaria a cumprir a tradição, sem reflectir muito no assunto. É pena. Os votos foram poucos mas, mesmo assim, foram em demasia.

O verdadeiro PSD, acobardado e silenciado durante os ultimos meses prepara-se para voltar emergir. Mas com cautela. É que Santana Lopes não vai vender barata a sua derrota, e já está a preparar novos voos, com uma grande carga dramática, tão ao seu gosto.

Que dizer do PP? Paulo Portas, sinónimo de CDS, perdeu em toda a linha. Ficou provado que o eleitorado pode ser ingénuo, mas não é estúpido. Elogiaram-lhe a postura, ao assumir a derrota. De facto, foi um momento cheio de dignidade. Mas não me saiu nem por um segundo da cabeça a ideia de que a demissão de Paulo Portas não passa de um gesto falso e estudado. Quanto tempo demorarão os barões do CDS-PP a pedir a Portas, pela alminha de todos os santinhos, que não os abandone? É que o CDS, sem Paulo Portas, tem uma capacidade de expressão tão grande como uma actriz-manequim da TVI.

A CDU, por seu lado, inverteu a sangria. Conseguiu subir em número de votos e em deputados. Aponta-se a simpatía e a humanidade de Jerónimo de Sousa como responsáveis. Concordo, em parte. O grande responsável pela subida eleitoral da CDU, com reflexos no BE, foi o deslocamento do PS para a direita, deixando orfãos de representação muitos eleitores de esquerda. Ou seja, esta é uma situação irrepetível, extraordinária. Até porque, bem analisados os números, o Bloco já superou a CDU em muitos círculos eleitorais. Este poderá ter sido o canto do cisne para os comunistas.

O Bloco de Esquerda quase triplicou o número de deputados eleitos, e foi a força política que mais cresceu nestas eleições. Esta é a consequência de um trabalho que tem vindo a ser realizado com muito empenho e dedicação ao longo dos últimos cinco anos. Quem me ouvir até pode pensar que tenho alguma ligação ao Bloco. Mas não tenho. Também não sou ingénuo ao ponto de achar que este é a principal motivação. O Bloco de Esquerda ainda representa o voto de protesto de todos aqueles que não se identificam com o sistema. Situação frágil e traiçoeira. Se quiser crescer, de hoje em diante, o BE terá que tornar-se credível e responsável. Nessa caminhada poderá, por um lado, perder os votos de protesto, por outro poderá cair no erro do CDS, dando passos demasiado grandes para as suas pernas, ainda por cima em terrenos movediços, como são os da politica, e pagar uma factura igualmente cara. É preciso ter serenidade e inteligência.

Existem alguns dados curiosos. O MPT e o PPM elegeram dois deputados, cada um, nas listas do PPD/PSD. Dois partido que, até aqui, obtinham votações residuais. Estes lugares foram-lhes oferecidos por Santana Lopes, ainda não se percebeu porquê. E deve haver muta gente no partido a remoer este facto.

Outra aspecto de referir é o facto de os votos brancos e nulos praticamente terem sido ignorados durante a noite eleitoral. A verdade é que os votos nulos subiram em alguns milhares, e os brancos duplicaram. Não representaram uma rendição à tese de Saramago, mas merecem alguma atenção.

O país ficou quase coberto pela cor do PS, mas nem por isso o futuro me parece cor-de-rosa. O panorama político alterou-se radicalmente. Mas será que isso se reflectirá na atitude dos agentes políticos. Como agirá Sócrates e o Ps? Como reagirão as oposições? será desta que Portugal vai ter um rumo?

A resposta a estas e outras questões nos próximos episódios:

* Formação do Governo PS. Ou sera o Guterres Reloaded?

* Congresso do PPD/PSD ou o ajuste de contas?

* Congresso do CDS-PP ou afinal o Paulinho estava só a fazer fita?

* Eleições Autárquicas ou quantas Câmaras é que a CDU vai conseguir aguentar?

* Eleições Presidênciais ou... ufff... nem sei para onde me virar! Nem eles! será que Cavaco se chega à frente? Será que Guterres regressa? Ou será que o PS vai escolher um candidato de direita (Freitas do Amaral)? E que farão o Bloco e o PCP nessas circunstâncias? E onde ficam Santana e Portas no meio disto tudo?

Isto promete!