O Bairro do Amor

Uma varanda debruçada para a vida

sábado, julho 23, 2005

Direito à Lei

O casamento não exerce sobre mim qualquer fascínio. Não faço tenções de me casar. Com ninguém, seja de que sexo for. (A não ser o que o-rapaz-do-bengaleiro-do-Frágil me faça uma proposta...)

Também não acho piada nenhuma a crianças. Não quero ter filhos, sejam biológicos ou adoptados. (Mais uma vez apenas a ideia de um filho d'o-rapaz-do-bengaleiro-do-Frágil poderia abrir uma brecha nesta argumentação.)

Mas isto é o que eu penso agora. Não sei se sempre pensarei assim. Além de que as minhas escolhas dizem-me respeito a mim, e ninguém tem que ficar sujeito às minhas tomadas de posição pessoais.

Agora uma coisa é certa: fossem outras as minhas opções e o caso seria bem mais complicado. É que eu vivo num país hesitantemente em vias de desenvolvimento social, cultural, político e moral - entre outros. Um país onde a lei fundamental do estado, a Constituição da República, garante a Liberdade dos cidadãos, mas onde o Código Civil, que regula uma parte considerável dos actos desses mesmos cidadãos, não respeita essa mesma Liberdade. Um exemplo:

Artigo 13.º(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Isto é o que está redigido na Constituição da República Portuguesa. Mas no Código Civil está expresso:

ARTIGO 1577º (Noção de casamento)
Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

Ou seja, se em teoria não posso ser discriminado em função do meu sexo e da minha orientação sexual, na pratica não me é permitido constituir família e celberar um contrato de casamento com uma pessoa do mesmo sexo que eu (situação inerente à minha condição plenamente assumida de homossexual).

Isto porque o sistema legislativo e judicial português está parado no tempo em que familia significava um paizinho, uma mãezinha, sete filhinhos ranhosos e uma avozinha a apodrecer a um canto, todos muito pobrezinhos, perdão, humildes e católicos.

E porque ainda está impregnado da moral judaico-cristã repressiva e reaccionária que olha para a sexualidade e para o prazer sexual de uma forma ignorante e desconfiada, ancorada que está no objectivo único da reprodução, com o conceito de pecado a espreitar em cada linha.

Não considero que a legislação tenha que estar na vanguarda das modificações da sociedade. Mas deve estar atenta e actualizada, assegurando as liberdades, garantias, direitos e deveres de todos os cidadãos.

O que significa que deve cobrir, regulamentar, com a máxima abrangência possivel, todos os âmbitos de actuação dos cidadãos. O que inclúi os modos como se relacionam entre si. Pelo que existem, neste momento, algumas centenas, talvez milhares, de famílias que, por não corresponderem ao estereótipo tradicional, não têm direito ao reconhecimento legal.

Esta situação não é legítima e não é admissível num estado de direito, que se diz democrático. E é uma causa que diz respeito não apenas aos homossexuais, mas sim a todos os cidadãos que não se revêm neste estado de coisas.

Tudo isto para chamar a atenção para uma campanha que está a decorrer no Renas e Veados e no Random Precision.

Será apenas a ponta do iceberg, mas é um bom princípio.